25 Novembro 2022
"O cume entre censura e acompanhamento é sempre sutil. Deveria salvaguardar a liberdade dos batizados e das suas associações, mas também a sua coerência com todo o povo de Deus, tanto a nível diocesano como universal. Como não sentir positivamente o impulso evangelizador de muitas dessas novas fundações? O próprio dicastério da vida consagrada se questiona sobre a identidade dos visitantes e interventores (cerca de oitenta) e sua eficácia. Há resistências e oposições, muitas vezes injustificadas, mas nem sempre fora de lugar", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 03-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para os interessados na vida consagrada e nas novas famílias eclesiais, as surpresas nunca acabam. A começar pelos números.
Um primeiro registro de experiências foi fornecido por Giancarlo Rocca (Primeiro censo de novas comunidades, Urbaniana Press 2010). Ele apresentou 800. Mas, quando os bispos chegam a Roma em sua visita ad limina, outros números explodem.
Os brasileiros falam de 600 novas fundações, muitas das dioceses africanas apresentam algumas, e não faltam nem mesmo na Ásia. Rapidamente nascem e, em parte, rapidamente se fecham. Mas um bom número continua.
O mundo dos institutos tradicionais (masculinos e femininos), especialmente os nascidos na onda das necessidades sociais em 1800, está passando por sérias dificuldades no Ocidente, mas, se levarmos em conta todas as novas formas de consagração, o juízo deveria ser mais brando. Também porque, ao lado das novas fundações, renascem formas de consagração consideradas arquivadas. Assim os eremitas e as eremitas (há cerca de 200 casos na Itália), das virgens (mil), das beguinas (algumas dezenas), das viúvas (cerca de 450).
Algumas das novas fundações se reportam ao dicastério de leigos. Entre esses os movimentos mais conhecidos: Comunhão e Libertação, Focolares, Neocatecumenais, Comunidade de Santo Egídio, Cursillos, Renovação no Espírito, etc.
Em alguns desses movimentos há a experiência de vida comum e consagração, como os Focolares, a Renovação no Espírito e os memores domini de CL. Mas a grande maioria são leigos associados em várias formas.
Uma segunda parte das novas fundações reporta-se ao dicastério dos religiosos. Entre elas: as Beatitudini, de Werke, Schöenstatt, Foyer de Charité, Verbum Dei, Comunidade dos filhos de Deus, etc. Neste segundo caso, os leigos envolvidos são numericamente menos numerosos, enquanto sacerdotes e pessoas consagradas (homens e mulheres) constituem o coração das associações.
O dicastério dos leigos organiza as várias fundações que se reportam a ele em duas seções: as “organizações internacionais” e as “associações de fiéis”. As primeiras estão enraizadas em alguns países, as segundas estão ligadas a uma única diocese.
De particular importância é o decreto geral que o dicastério publicou em 11 de junho de 2021. Ele prevê uma disciplina comum quanto à escolha do moderador ou presidente e seu conselho. A escolha requer a participação, direta ou indireta (em qualquer caso formal) de cada membro; o mandato é de cinco anos, renovável apenas uma vez, enquanto o fundador pode permanecer mais tempo, mas com a permissão do dicastério.
Alguns problemas permanecem em aberto. Os consagrados dos movimentos que muitas vezes têm uma vida comum não são formalmente reconhecidos como religiosos. Além disso, os padres ativos no movimento e até formados em suas instituições são incardinados em uma diocese e não no próprio movimento.
O dicastério dos religiosos ao qual se reportam os mosteiros, ordens, congregações, institutos seculares e agora também as comunidades tradicionalistas anteriormente coordenadas pela comissão Ecclesia Dei, no âmbito da Congregação para a Doutrina da Fé, chama as novas fundações de Famílias eclesiais.
Estas podem ser assim definidas: “A família eclesial é uma entidade jurídica única com vários ramos distintos, que inclui o ramo masculino de celibatários e o ramo feminino das mulheres solteiras. Esses dois ramos principais professam votos públicos de castidade, pobreza e obediência, e assim incluem os que pertencem de pleno direito à família eclesial” (R. Fusco, Vita consacrata, n. 4, 2022, p. 295). Também nesse caso há associados leigos e leigos.
O tipo de vínculo dos leigos ainda não foi definido porque sua condição de casados não é compatível ao que é exigido pela consagração dos religiosos.
Além disso, o presidente, que pode ser leigo e leiga, configura-se como "ordinário" (em paralelo com o bispo) e à sua responsabilidade eclesial.
As evidentes dificuldades do direito e da disciplina eclesial para seguir os caminhos criativos do Espírito remetem ao coração pulsante dessas novas fundações, ao seu carisma próprio; aquele dom particular que enfatiza temas específicos do Evangelho na pessoa do fundador. O depósito carismático é mais narrado do que definido.
A referência mais imediata é ao fundador ou à fundadora e à sua vida e obra, mas também ao núcleo originário dos seus colaboradores ou colaboradoras. A sua força de referência é decisiva para a convivência e harmonia dos estados de vida na Família ou no movimento.
Ressalta-se muito a demanda de radicalidade evangélica exigida pelo carisma que conforma o estilo próprio de cada estado de vida. E o magistério e a hierarquia são convidados a compartilhar a mesma perspectiva.
Menos percebidas são as eventuais “doenças” ligadas à referência carismática. Como, por exemplo, as formas narcísicas de alguns fundadores que trocam o dom espiritual em relação à Igreja como um dom pessoal ou aqueles grupos de liderança que pretendem ter o carisma como "posse" inteiramente disponível apenas a partir de si mesmos, se não mesmo em contraste com a hierarquia.
Mas há quem questione o “novum”, a novidade de tais experiências, visto que, na tradição eclesial, o envolvimento dos leigos no carisma dos fundadores já foi diversamente explicitado. Hoje, porém, existem as condições teológicas e culturais para um pleno reconhecimento da centralidade do batismo, da dignidade dos leigos, do sacramento do matrimônio, da dignidade da mulher.
Diferentes são sobretudo gerações em que o fascínio das fundações mais tradicionais é muito menos pronunciado. São também as gerações que não viveram uma "civilização" cristã e muitas vezes estão em jejum até dos conhecimentos eclesiais mais elementares. Uma generosidade sincera ainda não moldada dentro da prática da fé.
As dimensões do discernimento do bispo e da Igreja local, a prática da formação dentro das Famílias e da vida comum nos movimentos, além do estudo teológico, tornam-se fundamentais.
Os Bispos têm por vezes dificuldade em fazer um discernimento eficaz, demasiado condicionados por urgências pastorais e por impressões não adequadamente desenvolvidas. Uma nova normativa os obriga a fazer um acordo prévio com o dicastério romano. Mas, apesar disso, espera-se que a investigação seja ampliada.
O instrumento tradicional, as chamadas “cartas testemunhais” de alguns dos protagonistas diocesanos, deveria ser desenvolvido em um parecer específico da Conferência Episcopal regional.
Considerando os pontos de partida dos participantes, a formação é uma etapa decisiva. Não é fácil encontrar bons formadores e menos ainda comunidades formadoras.
Não se recomenda uma ascese total praticada por alguns, assim como a confusão entre foro interno e foro externo com pouca atenção ao equilíbrio e à maturidade da pessoa.
Paralelamente, a formação teológica deveria ocorrer em institutos de comprovada qualidade e robustez, conscientes de que, sem a maturidade humana, ela permanece insuficiente. Talvez se poderia falar mais de ‘provação’ do que de formação.
No entanto, muitas perguntas permanecem em aberto. Não são ainda demasiados os cânones desenvolvidos sobre os modelos tradicionais em comparação com as novas formas de consagração? Como as pessoas casadas podem fazer promessas semelhantes às dos religiosos? Como construir um direito a partir dos deveres-direitos comuns com especificações sucessivas para os diferentes ramos (masculino, feminino, celibatário, religioso e presbiteral)? As famílias podem assumir as tarefas e os encargos da vida consagrada? Como garantir a igualdade entre consagrados e consagradas no mesmo instituto? Como distribuir o poder entre os órgãos centrais e supremos conselhos dos ramos individuais?
A multiplicação de perguntas atesta que a questão é muito profunda e esmiuçada, mas também que o equilíbrio atual permanece provisório.
Após as primeiras décadas pós-conciliares em que essas realidades tiveram ampla liberdade de funcionamento e autogoverno, nos últimos vinte anos foram objeto de diversas correções. Deixando de lado o mundo dos institutos religiosos como os Legionários, a Comunidade de São João e várias comunidades monásticas, as novas fundações também foram afetadas.
Diretrizes de correção chegaram a Comunhão e Libertação, Opus Dei, Schöenstatt, Verbe de Vie, Eucharistein, Totus tuus, Beatitudini, Fraternidade de Jerusalém, Foyer de Charité etc. Um trabalho de verificação mais que de disciplina, tornado necessário pelos desvios, os abusos registrados e a compreensível incerteza após a morte dos fundadores.
O cume entre censura e acompanhamento é sempre sutil. Deveria salvaguardar a liberdade dos batizados e das suas associações, mas também a sua coerência com todo o povo de Deus, tanto a nível diocesano como universal.
Como não sentir positivamente o impulso evangelizador de muitas dessas novas fundações? O próprio dicastério da vida consagrada se questiona sobre a identidade dos visitantes e interventores (cerca de oitenta) e sua eficácia. Há resistências e oposições, muitas vezes injustificadas, mas nem sempre fora de lugar.
Para os institutos com uma história mais longa, muitas vezes ocupados com problemas não fáceis como a gestão de uma ramificação internacional, o multiculturalismo, o fluxo persistente de saídas (quase 3.000 por ano), falta de fecundidade no quadrante ocidental, etc. abre-se a tarefa de sentir as novas presenças e as figuras que "retornam" (eremitas e similares) como parte de um mesmo fluxo de testemunho de radicalidade evangélica.
Não são “mestres”, mas certamente acompanhantes preciosos e dispostos a aprender.
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Vida religiosa: os “outros” consagrados. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU